Aos 16 anos, Trevor está familiarizado com distanciamentos. Como filho de militar, de tempos em tempos ele tem de se afastar de suas amizades e formar novos laços em uma nova base, muitas vezes em um novo país.
Ainda
assim, ele sente muita falta de seu melhor amigo Brad, que rompeu contato até
mesmo através das redes sociais quando se mudou da base de Okinawa, quatro anos
atrás.
Um dia, ele
recebe um e-mail de Brad dizendo que está prestes a ir morar na mesma base onde
Trevor está com sua família, na Espanha. A ansiedade é muito grande, mas ele
ainda se questiona sobre o motivo de ter sido tão completamente excluído da
vida do amigo que tanto apoiou no passado.
Por sua
vez, Brad, que agora é uma menina chamada Shannon, tem muito medo de qual será
a reação de Trevor, justamente porque ninguém do círculo social deles soube da
transição e o meio militar pode ser tão unido quando fechado e conservador.
Principalmente considerando que o pai de Trevor é o capelão e religião é um
complicador nesse contexto.
Quando o
reencontro finalmente acontece, muita coisa vem à tona, inclusive a paixão
sufocada que Shannon sempre sentiu pelo amigo, mas que julgava impossível por
ele ser hétero. Então a gente vai acompanhando como é a adaptação deles a essa
nova versão de amizade e também quais são os problemas que uma pessoa trans e
sua família podem passar em um meio tão pouco receptivo quanto qualquer outro,
mas num círculo social em que as pessoas são obrigadas a conviverem, querendo
ou não.
Para muita
gente, a invisibilidade das pessoas trans é uma constante e pouco se sabe sobre
essa realidade. Vez ou outra, alguma novela ou série aborda o assunto, mas
ainda assim há muito desconhecimento e preconceito, acompanhados da dificuldade
em reconhecer um semelhante e criar identificação com alguém que parece ser tão
diferente. Afinal, é preciso conhecer para respeitar, entender para não se
permitir assustar com a constatação de que transexualidade não é coisa de outro
mundo.
Nesse
sentido, o livro De Volta Para Ela, de Lauren Galagher, lançado em formato
digital na Amazon e Kindle Unlimited pela Cherish Books, tem muito a colaborar.
Isso porque traz, através de um doce romance entre adolescentes, a
possibilidade de o leitor entender um pouquinho desse universo.
Narrado em
primeira pessoa alternadamente pelo casal protagonista, o livro possibilita que
Shannon, a menina que nasceu menino, seja vista por nós como amiga ou filha (dependendo
da idade do leitor), alguém de cuja intimidade compartilhamos.
A história
em si é bem simples, e o livro é curto e rápido de ler, o que significa que é
um bom primeiro contato com o tema, embora as situações acabem sendo abordadas
mais superficialmente para manter a leveza e fluidez da narrativa.
O assunto
central é mesmo o amor que floresce entre Shannon e seu melhor amigo de
infância, que agora a reconhece como uma garota. E acho que isso, o fato de
tornar a transexualidade dela um fator importante, mas ainda assim secundário,
é o que faz a gente olhar os personagens como pessoas comuns que estão apenas
enfrentando, com a maior dignidade e empatia possíveis, uma situação nova para
todos eles.
Você se
identifica com Trevor, que está tão feliz em retomar a amizade antiga que acaba
metendo os pés pelas mãos quando a revê e descobre que ele virou ela. Você
aprecia os amigos, antigos e novos, que recebem Shannon de braços abertos. E dá
graças aos pais dela por lidarem com a filha com tanto amor e abnegação.
Aliás, os
pais dos protagonistas, principalmente a mãe de Shannon e o pai de Trevor, são
um ponto forte do livro, porque são exemplos de como amor e tolerância superam
tudo.
Minha única
ressalva vai para o título escolhido na tradução. O nome original, Having Her
Back, é um trocadilho impossível de reproduzir, porque significa ao mesmo tempo
“dando apoio a ela” e “recuperando-a”. É um título maravilhoso, mas a tradução
nem fez jus ao fato de que é Trevor que está toda hora falando sobre recuperar a
amiga. Ou seja, não é ele que volta para ela, mas sim o contrário.
Enfim,
tirando esse detalhe, é um livro que vale muito a pena.
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